Não sendo preocupante, a intensidade da ofensiva contra os partidos políticos merece reflexão.
Lamentavelmente, o comportamento do governo e do seu Primeiro Ministro em nada contribui para a dignificação do sistema partidário. Muito em particular quando as populações ouvem o responsável do governo a criticar a sua própria política de saúde e a afirmar a sua própria incapacidade para identificar e diagnosticar os problemas do sistema de saúde e para os solucionar.
Em contrapartida, a campanha eleitoral no PSD poderá ajudar a inverter a actual tendência de alheamento popular relativamente ao papel central dos partidos no desenvolvimento da democracia em Portugal.
Revelado por insistentes declarações públicas de teor ostensivamente anti partidos e estranhas intenções de criação de novos partidos, este súbito interesse pela actividade política activa organizada não tem causa na falência do sistema de partidos e, muito menos, numa vontade colectiva, espontaneamente emergente da sociedade, de mudança do modelo político constitucional.
Do que se trata é de um ousado avanço no combate contra o sistema partidário que, a vingar, preparará a extinção dos partidos e centralização da vida política em movimentos mais ou menos fechados e secretos, ou em núcleos de agregação de interesses de grupo ou até, meramente individuais.
Esta ofensiva anti partidos tem origens remotas no meloantunismo, no eanismo e no cavaquismo emergente nos finais do segundo governo de maioria absoluta do PSD, ostensivamente declarada pelo próprio Cavaco Silva quando se manifestou «enojado» pelos partidos e, com apoios individuais em que sobressaía Manuela Ferreira Leite, iniciou o seu combate pela desagregação do seu próprio partido.
Em comum, todas estas correntes se distiguiram pela forma habilidosa como tentaram ou se aproveitaram do prestígio e capacidade de organização e mobilização dos partidos para, mal alcançado o poder, os deitarem fora como degenerescências monstruosas «empestadas».
Nas últimas eleições presidenciais, Cavaco Silva limitou-se a materializar esse sentimento aproveitando do PSD tudo e apenas quanto lhe convinha.
Mas a grande ofensiva anti partidos, com uso criterioso da condição de personalidade de referência do PS, foi protagonizada por Manuel Alegre.
Talvez nostálgico do seu passado de frentista patriótico sem partido e contra os partidos, o conhecido militante e dirigente socialista rodeou-se de um núcleo de desiludidos e outras gentes sem partido e antipartidos, abriu guerra sem quartel ao seu partido e só não desmantelou completamente o PS, tradicionalmente fragmentado em facções conflituantes e sem defesas doutrinárias internas consistentes, porque o PS estava protegido pela titularidade do poder político.
Da direita, que tradicionalmente é antipartidos, são mais discretas as movimentações mas não serão de menosprezar as intervenções públicas, a título de comentaristas políticos, de Maria José Nogueira Pinto e Pedro Ferraz da Costa, a primeira uma dissidente de partido que não conseguiu infiltrar-se num outro partido e, o outro, activista contra os partidos em círculos empresariais.
Estes anunciados novos movimentos ou prováveis novos partidos, que sentem as vulnerabilidades conjunturais do sistema de partidos fundadas, em especial, na falência da governação socialista e no baixo nível intelectual, cultural e técnico do Primeiro Ministro, julgam chegada a sua oportunidade de acabar de vez com os partidos.
Apresentando-se como regeneradores não passam de efémeras expressões antipartidos.
Mais uma vez, os profetas da desgraça e próceres do anti partidarismo erram os cálculos e nem sequer percebem que as recentes vitórias da direita na Europa assentam na consolidação dos partidos e não em hipotética tendência social antipartidos.
Não deixam, todavia, de ser perigosos para a preservação da democracia política.