Até quando?

... o primeiro grande problema é que o PSD precisa de uma OPOSIÇÃO SÉRIA com uma direita coesa e forte mas só encontra alcoviteiras e trailiteiros. Até quando?

quarta-feira, 18 de abril de 2012

À espera da Carlota

Adoeceu, coitada, a minha pata.


É uma pata «marreca», uma simples e simpática Carlota que vivia livre, com espaço para nadar e grasnar à vontade, no meio de uma sociedade animal organizada segundo as suas próprias leis, o direito natural.

Tudo era normal, naquela anormalidade natural.

Não havia leis escritas mas a natureza criou a sua própria hierarquia, com um magistrado e o seu poder comando.

O magistrado é um pato mudo que mais parece um perú, grande, sempre de popa eriçada, a soprar comandos que ninguém ouve mas todos percebem, sempre a pôr na sua ordem todos os outros.

E os outros são a companheira, a pata muda, que aproveita a força da sua condição, para bicar todos os outros, sempre que pode, quando o magistrado está perto.

Mas o magistrado também lhe «ralha», também lhe sopra ameaça de castigo quando percebe que ela está a querer passar além da sua condição.

Às vezes andam todos zangados.

O pato mudo, dominante e vilão, ataca todos e sacrifica todas ao seu domínio.

A companheira, ataca todas as outras e dá umas bicadas no manso pato real quando este está dominado pelo «vilão».

O pato real, o manso Pio que, apesar de tudo, não é «flor que se cheire», diverte-se com a sua companheira, a Vitória, mas também quer «mordiscar» a outra pata muda, a Nini, que se juntou ao grupo para acalmar a ferocidade do magistrado, o vilão que quer comandar todos.

E até a Nini, que ainda agora chegou e quase devia estar a leite materno, gosta muito de atirar uma bicada à pobre Carlota, quando a apanha distraida e sempre com a sombra do poder por perto.

Só a Vitória parece indiferente a tudo isto.

Nada alegremente nas águas do lago comum, mergulha como ninguém e passa o tempo com o «rabo no ar» a vasculhar o fundo do lago, corre como uma louca pelos campos fora, sempre a grasnar como se tivesse uma «cana rachada» na garganta, põe ovos às escondidas, sem ninguém ver, em belíssimos ninhos improvisados.

Não larga o seu companheiro e nunca ninguém lhe viu um gesto ameaçador.

É a amiga, que recebeu sem condições, da pobre Carlota, a infeliz doente e prostrada pata marreca, coxa, incapaz de se deslocar fora de água.

O primeiro suspeito da causa da doença da Carlota foi o vilão, o Tmé, que talvez tivesse dado uma coça na Carlota, só por vício, só para mostrar que manda, só por mero prazer de bater nos ingénuos e bons camaradas.

Na cidade mais próxima, o Hospital Veterinário, onde o direito da natureza parece pouco importante e que se rege pelo direito legislado e pelas conveniências dos que «têm», não quer saber destes «bichos» de condição inferior.

Não trata de aves e presume-se que só atende animais de grande porte e óbvio potencial económico.

Mas o mundo não acaba ali, naquela escola da grande medicina para o grande animal.

Muito perto, numa pequena vila, lá estava um consultório veterinário que recebeu com emoção a pobre e infeliz Carlota.

Aqui a ordem estabelecida só distingue direitos, naturais e os legislados também … e a Carlota foi atendida, diagnosticada e medicada, isto é, tratada com toda a dignidade!

… E até o suspeito vilão, o Tomé, acabou por ser inocentado da suspeita de ataque – fez-se justiça, talvez!

Quatro dias de anti-inflamatorio, antibiótico e vitaminas administradas via oral, com o apoio de uma pequena seringa que funciona como biberão, tudo em doses rigorosamente calculadas, e «internamento» na casa do dono, afastamento da selva do lago e aconchego dos abrigos comuns e dispersos.

E a pobre Carlota lá está, em convalescença, talvez à espera de poder voltar a nadar, andar, ser debicada e passar a debicar as outras, talvez com enormes saudades dos alegres grasnares e passeios à volta de lago, com a sua amiga «real», a «simplória» Vitória, a tal que só sabe isso mesmo, ser amiga e não se meter na vida dos outros.

Mas a Carlota vai ter que saber: todos os outros, o vilão que manda, a preferida do vilão que também gosta de impôr a força do companheiro, a Bia, a jovem, inocente e vaidosa Nini que aproveita a sorte de pertencer à raça do vilão e da companheira, o vistoso e queixinhas companheiro da Vitória, o «real» Pio … todos eles, sem excepção, todos eles esqueceram os seus pequenos e efémeros poderes, deixaram o lago e a vastidão dos campos, para se concentrar à porta da casa do dono, tristes e sem reclamações, à espera, talvez, de notícias sobre a saúde da Carlota.

Porque é isso mesmo, e só isso, o que conta agora para eles: o bem estar da doente e a sua recuperação, o regresso da voz grossa mas sinfónica da sua companheira de aventuras sem fim, na água ou debaixo das larajeiras à caça de pequenos bicharocos, a volta da Carlota!

… Talvez, talvez no futuro, todos percebam que não vale a pena a discriminação, a violência, a afirmação pela força dos fortes, a replicação do poder pelos intermédios menos fortes, a pequena traição bicada pela calada – talvez eles todos queiram imitar a Vitória … e viver em comunidade, em paz e alegria!

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