António Costa, desde que iniciou a campanha eleitoral para a Câmara Municipal de Lisboa, insiste diariamente em avisar contra os «perigos dos jogos partidários».
É curiosa esta preocupação, vinda de quem, no seu partido e no governo, nada fez que não representasse o reforço dos seus poderes e da sua influência política.
Corre-se hoje o risco de mais uma ilusão. Como se as crises políticas, sociais e culturais das sociedades resultassem dos próprios partidos e não das pessoas que os utilizam, manipulam e deitam fora.
Já nada surpreende nestes jogos florais entre facções, grupos e personalidades socialistas.
Noutros tempos, foi com pensamentos análogos que senadores ambiciosos atingiram a suprema glória de dictatoris e o poder absoluto dos imperadores, iluminados directamente pelos deuses ou eles próprios a encarnação do deus supremo.
Na história contemporânea não faltam referências aos novos deuses dos séculos XX e XXI que, ainda mal colocados nos salões do Poder, logo se concentraram na patriótica missão de libertar a nação dos vícios do jogo partidário.
Nuns casos foram as purgas violentas, perseguições sangrentas e o desaparecimento puro e simples dos mais destacados e leais antigos companheiros; noutros, a colocação em posto longínquo e bem remunerado, a distinção de elevadas missões, de grande prestígio e muito acima do mero sacrifício do exercício do poder.
Todos eles se iniciaram nos partidos e todos eles extingiram ou neutralizaram os próprios partidos, reduzindo-os à pobre condição de plateia conveniente para o aplauso histérico, a útil cadeia de denúncia dos pensamentos menos ortodoxos, o saneamento ou limpeza ou purificação. Isto é, rapidamente mataram a alma da ideologia convertendo o debate e a organização política em apagado aparelho destinado ao acéfalo e vil elogio do chefe.
António Costa, velho militante e dirigente do PS, surge agora a liderar o movimento, preocupante para os democratas, do antipartidarismo.
Estranha situação que, todavia e bem vistas as coisas, talvez venha germinando paulatinamente há, pelo menos, dois anos.
A sua candidatura não é mais de que uma nomeação.
É uma nomeação de José Sócrates que, julga ele, deste modo se vê livre de alguém que soube reunir poderes excessivos e que os sabe utilizar em proveito próprio e da perigosa facção socialista que sempre integrou. Mas é ao mesmo tempo uma nomeação aceite por António Costa porque recoloca a sua facção na posição certa, não subalterna, para a acção no momento da conquista interna do poder. E esse tempo aproxima-se ao ritmo vertiginoso da progressiva degradação política de Sócrates, da sua facção, do seu governo.
Ao fim e ao cabo ele foi apresentado por José Sócrates e não pelo PS, em coma cada vez mais profundo. E interessante será observar como ele foi apresentado talvez contra o PS nacional mas muito certamente contra o PS de Lisboa.
O que Sócrates talvez não tenha previsto é o preço que lhe custará esta inteligente estratégia. Pôs-se mesmo a jeito e será ele próprio a primeira vítima. Acontece sempre, mais cedo ou mais tarde, aos impreparados, autoconvencidos, aos arrogantes que circulam por aí, aprendizes atrevidos incapazes de avaliar a sua absoluta irrelevância.
O PS tem história nestas matérias.
Mário Soares foi «atirado» para Nafarros pelo secretariado de Guterres; Jorge Sampaio fez do PS um circo de pobres saltimbancos quando quis ser presidente da Câmara de Lisboa como trampolim para Presidente da República; de Belém, Sampaio levou Ferro Rodrigues, velho companheiro do GIS e IS e destacado militante anti-PS de Mário Soares, para a liderança do PS; soaristas, guterristas, alegristas e outros istas liquidaram Ferro Rodrigues e todos eles, sem a solução definitiva, meteram-se na panela em fervura mansa colocando Sócrates na cadeira disputada, provisória e precariamente.
Serão estes os jogos partidários a que se refere o ingénuo e virgem António Costa?
Ou ter-se-á assumido como o porta-voz da guerra contra os partidos como instrumento de realização de interesses pessoais ou de facção, na senda, aliás, do mestre Cavaco Silva que, depois de projectado pelo PSD, nunca mais deixou de liderar a mais óbvia e organizada campanha antipartidos?
… E com o sucesso pessoal bem à vista … e as consequências, de duração imprevisível, bem reflectidas na pobre situação do PSD, que, além de si próprio, já nem sequer é capaz de incomodar quem quer que seja!
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