Quando a vida corre mal, a encenação é outra.
A velha táctica, a mais básica técnica de contra-informação, aí está bem à vista. O governo não tem feito outra coisa senão isso … e parece que resulta sempre.
Quem se lembra da humilhação de Sócrates com o caso das suas habilitações académicas? Quem se recorda das escolas encerradas? E dos hospitais, centros de saúde e de serviços de atendimento? E da revolta dos militares? E dos Tribunais que fecham? E das gostosas férias de Sócrates? E das empresas que fecharam? E do valor líquido das reformas que baixou? E aquela rábula do choque tecnológico? Lembram-se dos preços da gasolina e do gasóleo? E quanto custava ir ao hospital? Quantas remodelações já teve este governo? Quem sabe o nome dos ministros?
O método é sempre o mesmo: desviar as atenções do inconveniente e concentrar as atenções na chamada «casca de banana».
O governo lança o boato, faz com que se espalhe e, depois, lá aparece o próprio ENGENHEIRO (Ah! Ah! Ah!), em pessoa ou alguém por ele, a desmentir o boato.
É como aquele bombeiro que queria ser promovido. Lançava o fogo, era o primeiro a acorrer à chamada e o mais activo no combate e na denúncia indignada dos colegas que demoravam mais a responder à chamada.
Ainda há muito pouco foi no Montijo. Por toda a cidade e arredores espalhou-se o boato de que iria haver encerramentos nos serviços de assistência médica e Francisco Louçã, cunhado do Ministro da Saúde, prontamente apareceu a dar credibilidade ao boato visitando os serviços, cheios de utentes, e a afirmar que aqueles serviços não podiam fechar.
As populações organizam grande manifestação.
O Ministro visitou os serviços horas antes de prevista manifestação, acompanhado pelos autarcas, do PS, e muitas câmaras de TV e muitos fotógrafos.
E foi à Câmara Municipal anunciar que nada iria fechar, e, com aquele «ar» de menino de sacristia-meio-angélico-meio-indignado, protestar contra a maledicência do tal PSD, esse inventor de crises onde apenas há a maior boa-fé governante.
Ontem foi o mesmo em Abrantes.
Deixou-se filmar tudo e ninguém se calou (ontem) com as vaias a Sócrates mas as imagens que agora aparecem mostram um ENGENHEIRO (Ah! Ah! Ah!) sorridente a apertar mãos de «outros» manifestantes que não protestam e só pedem! … E a dizer repetidamente: esteja descansado … Eu vim aqui para esclarecer que ninguém fecha nada … curiosamente, os jornalistas sempre tão perspicazes, não estranharam que Sócrates, desta vez, não fugiu da manifestação …
O caso Ota não passa disso mesmo: uma manobra táctica de contra-informação.
O governo não suspendeu nada porque nada foi adiado.
O projecto Ota, como previsto, terá desenvolvimentos apenas no final do ano, com o início dos processos de abertura de concursos públicos.
Neste interim, o governo «aceitou» fazer «estudos comparativos» no prazo de seis meses.
Precisamente o prazo previsto de preparação dos concursos públicos.
Tudo na mesma, portanto.
E, no entanto, toda a gente cai na esparrela e jura que tudo foi suspenso ou adiado…
Isto é, a chamada sociedade civil calou-se, o Presidente da República perdeu o argumento de exigir mais estudos, a escassa comunicação social menos enquadrada fica sem «pio» e a outra tem todo o espaço para enaltecer as qualidades morais do Ministro e do ENGENHEIRO (Ah! Ah! Ah!) Sócrates.
Passou a ser «pecado» falar em teimosia, incompetência, interesses subterrâneos e outras maldades … e até foi banida a célebre afirmação de Lino, o Pai da Ota, ao comentar o projecto Alcochete. Ou seja, a sua simples conclusão: «este projecto veio demonstrar que a opção Ota é a melhor». Para quem não conhecia o projecto Alcochete e para quem apenas quer os resultados do estudo comparativo para decidir com objectividade e de harmonia com as conclusões dos especialistas … é obra! … ou bruxedo!
Não há, pois, recuos nem derrotas. Há apenas uma simples operação de marketing político.
Nem o problema é Lisboa, a presidência da União Europeia ou mudança de carácter de Sócrates.
Nada mudou.
O que dos lados governamentais se pretende é, artificialmente, conter a evolução de um clima social de hostilidade que os próprios alvos começam a convencer-se que assume níveis de intensidade progressiva e perigosa.
Greves, manifestações e revoltas populares por todo o país, mais pobreza, cada vez mais deserto o país real, a emigração que cresce por razões de subsistência social, a criminalidade violenta que nos transporta para ambientes do Terceiro Mundo, tribunais que anulam decisões do governo, vaias constantes ao primeiro ministro e ministros, autarcas em vivos protestos, a magistratura judicial revoltada, professores em estado de choque, polícias em ruptura, funcionários públicos indignados, empresários em pé de guerra, investimento estagnado, uma economia paralisada, incapacidade de inovar e projectar simples programas tecnológicos, incapacidade de organizar o sistema educativo, o imparável crescimento do desemprego, avanços e recuos dos governantes, anúncios de grandes projectos com empresas em fuga, ministros ridicularizados, ministros desautorizados, prepotência gratuita, a generalização de «comissários» bufos-denunciantes desmascarados – um primeiro ministro «apanhado» a mentir sobre si próprio, um ambiente geral de indiferença e falta de confiança. Um governo que perdeu o respeito dos governados.
Isto é que verdadeiramente está em causa.
Por isso, as últimas peripécias do «caso» Ota não são um acto de inteligência e bom senso. São apenas mais uma operação de Marketing, porventura desta vez de emergência, para amainar a tempestade de contestação geral.… e instabilidade política e social.
E, daqui a seis meses, tudo esquecido, dinheiro fresco prometido, desmemoriados e «cabeça virada» para a contagem dos tostões que restam e dos milhares das dívidas, lá voltaremos todos a viver o País virtual dos milhões de empregos, tecnologias por todos os cantos, de velhinhos cheios de felicidade e jovens sempre em festa, promessas de encher o olho e números de sucesso, muitos números – e tudo primorosamente apresentado em enormes écrans.
Nada mudará.
Mas poucos se aperceberão até às próximas eleições.
Que é o que interessa.