AH! As saudades que eu já tenho!
Outros tempos, velhas venturas: os tempos da “ Reforma Agrária” e a sua generosa dádiva da “Terra a quem a trabalha”!
O Alentejo era nosso, não havia latifúndios nem agricultores exploradores, nem montes nem herdades, nem quintas e quintais, nem trigo nos campos e o gado bravo estava ao serviço da Revolução, do Comunismo Internacionalista.
Ah! As saudades que eu já tenho das históricas Unidades Colectivas de Podução.
Ah! As saudades que eu já tenho!
Eleições gerais e sufrágio universal?!
AH! Como Álvaro Cunhal tinha razão quando proclamava, bem alto e com toda a sua autoridade doutrinária, que interessava o voto secreto de um povo alienado se a Revolução está nas mãos do Colectivo, patriótico e de esquerda, se se manifesta nas ruas, nos campos, nas fábricas e oficinas, se a Revolução está em marcha e as suas conquistas são irreversíveis, sob a direcção política da esquerda revolucionária e sob o comando dos heróicos militares revolucionários de Abril?
AH! As saudades que eu já tenho!
O futebol era a alienação fascista, e até a Amália Rodrigues era o símbolo do salazarismo!
E a Igreja Católica, que era uma central da contra-revolução e os seus padres os agentes do atraso cultural do nosso pobre povo, alienado pela catequese e oprimido pelas paróquias … que emoções se viveram naquele cerco do Paço do Cardeal Patriarca de Lisboa por uma imensa manifestação de povo que, de punho erguido, feição determinada e a alma indignada, gritava, naquele Campo dos Mártires da Pátria completamente cheio, contra a Idade Média e o Obscurantismo, contra o poder da Igreja, contra as faustosas riquezas da Igreja, contra o domínio da sociedade e do Estado pela Igreja!
Que tempos esses, que emoções, respirava-se Liberdade e empolgante Libertinagem … como era excitante toda aquela descompressão depois de séculos de opressão, não é sr. Bispo Torgal Ferreira?
AH! As saudades que eu já tenho … lembra-se também, sr. bispo Torgal Ferreira? … daqueles tempos em que o povo era quem mais ordenava e, um certo dia, como uma faisca purificadora, roubou à Igreja a sua Rádio Renascença, ocupou as suas instalações e pôs a sua programação ao serviço da Revolução, nada de missas nem rezas do «Terço» … até à sua lamentável libertação do comunismo, à bomba e sem condescendências revolucionárias, por um grupo de paraquedistas, certamente um bando reacionário ao serviço do capital e do imperialismo … e contra o povo que enchia as ruas!
Aquilo sim, aquilo era a Libertação pela Rua, era o povo a mandar, aquecido pelo «Sol da Terra» que Álvaro Cunhal trouxera da comunista União Soviética, era as praças cheias e as Igrejas fechadas, os padres a fugir a sete pés …. aquilo era Democracia … tudo na rua, aos berros e a cantar aquela história da «andorinha voava, voava …».
Ainda se lembra, sr bispo Torgal Ferreira? Lembra-se daqueles militares, esses heróis anticlericais que queriam transformar as Igrejas em «Cantinas do Povo», com direito a senhas de racionamento, e que estoicamente defendiam os manifestantes das investidas e dos ataques da «Reacção» … ?
AH! As saudades que eu já tenho!
E como foi bonito viver aqueles tempos de «patrões borda fora», empresas ocupadas, as Reuniões Gerais de Trabalhadores que saneavam os camaradas descrentes e esvaziavam os cofres das empresas … «Abaixo a Reacção e quem a apoia», gritava-se, bem alto, por este País fora, ao som heróico da «Internacional Comunista».
Ah! As saudades que eu já tenho!
Os bancos e os Seguros, todos com um só patrão: eu, nós, nós todos, o Colectivo, o Estado!
Os impérios do capitalismo e do imperialismo desmembrados e destroçados, a CUF, Lisnave e a Setenave, a Tranquilidade e Efacec e mais o J. Pimenta, a Siderúrgia Nacional, a Parry and Son, os Claras e os Barreiros, os comboios e os telefones … até as inúmeras pequenas oficinas, babearias, tascas, cinemas e teatros – tudo, tudo nas mãos de quem trabalhava!
Ah! As saudades que eu já tenho!
Os Melos e os Champalimaud e os Espirito Santo, tudo para a rua … e como era bonito vê-los a fugir (a sete pés, não foi sr. bispo Torgal Ferreira?) para bem longe, rapidamente e em força, uns para a Espanha católica e fascista, outros para o Brasil católico e fascista, capitalista e imperialista e os outros … sabe-se lá para onde!
Abaixo esses agentes americanos! Aqui não faziam falta nenhuma. Aqui, tinha acabado a exploração do homem – aqui era o império dos soldados e marinheiros, aqui mandavam os proletários através da sua gloriosa vanguarda: a classe operária, organizada e orientada pela sua élite, o Partido Comunista Português!
Ah! As saudades que eu já tenho!
Da «invasão» da Espanha fascista por uma heróica revolução em Portugal e do saque das riquezas fascistas da sua embaixada em Lisboa … quem ousava resistir à revolução e enfrentar um «povo» indignado que, num ápice, deu cabo da tantas pratas, ouros e valiosos quadros?
Ah! As saudades que já tenho!
Ocupava-se as casas e os prédios inacabados e toda a gente tinha habitação, confiscava-se restaurantes e toda a gente tinha alimentação, assaltava-se lojas e toda a gente tinha roupa boa e de marca, ocupava-se as escolas e universidades e toda a gente ganhava diplomas, insultava-se os polícias e toda a gente era dona das ruas, invadia-se os Tribunais e todos os ladrões eram absolvidos … e até os assassinos, que eram «julgados» pelo «povo», viam-se absolvidos e confortados com a «justa» condenação do assassinado!
Ah! As saudades que eu já tenho!
Os fascistas e os agentes do imperialismo americano na cadeia, em Caxias e outras celas.
E cá fora, era os Comités de Defesa da Revolução que nos revistavam os bolsos e os carros em cada cruzamento de estrada, o vizinho que nos denunciava ao Comité de Bairro, o colega que nos punha sob vigilância do Comité de Saneamento … era o Comité de Melhoramentos que nos obrigava a trabalhar de borla para a Revolução, na limpeza de estátuas, jardins e das praças ou na colagem de cartazes, tapando os símbolos do fascismo e do imperialismo com «foices e martelos» ou com as caras da Troika de então, os heróis do tempo: Marx, Lenine e Estaline.
Ah! As saudades que eu já tenho!
Uma única Central Sindical comunista: era a Unidade na Unicidade dos trabalhadores, era a fortaleza de aço contra o divisionismo reacionário, era a parede de cimento armado onde se esborrachavam os agentes do capitalismo e do imperialismo.
Uma única TV, uma Emissora da Liberdade e outra governada pela 5ª Divisão Militar, mais a Rádio que tinha sido da Igreja Católica, a Renascença, todas a tocar os mesmos os hinos comunistas e todas a falar a uma só voz – acordávamos ao som da «Grândola, Vila morena» e deitávamo-nos com os acordes da «Cantiga é uma arma …» - como tudo era tão claro e tão transparente, como os jornalistas eram tão independentes naquele imenso universo de liberdade de expressão em que viviam!
Ah! As saudades que eu já tenho … do Comunismo Internacionalista … em português!
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