Sócrates decidiu.
Os ministros executam
e algumas personalidades socialistas
nomeadas comentadoras avançaram.
E pronto.
O primeiro ministro foi à televisão, esclareceu tudo
e determinou: se há crise ela está no Marques Mendes.
E na burocracia e nos burocratas.
Está tudo dito. Ponto final, parágrafo.
O chefe disse.
Nota curiosa da grave crise política resultante da degradação do caracter e da personalidade do primeiro ministro está na ausência do Partido Socialista.
Desde as eleições presidenciais o partido de que deriva o governo desapareceu de cena.
Não é novidade em Portugal.
Já nos tempos dos governos dos Profs. Doutores Salazar e Marcelo Caetano, a sustentação do executivo era missão de uma ou outra personalidade da vida política e social ou da organização corporativa, institucionalmente complementada em intervenções apologéticas e imensos «muito bem», proferidas na assembleia nacional, por dois ou três ilustres deputados.
A União Nacional ou, posteriormente a Acção Nacional Popular, tão hipocritamente denegridas como partido único pelo único partido que lutou por se constituir o partido único após a revolução de Abril, limitava-se a esporádicas reuniões, mais ou menos discretas e alargadas, para estruturar a propaganda, rotinas burocráticas e assegurar por esse país fora as simpatias e cumplicidades dos chamados homens da terra. Indicava os que mereciam confiança, recebia os pedidos, lançava as cunhas, organizava festas e empolava os efeitos das realizações.
Não tinha qualquer função política de referência. Limitava-se à função de cenário das peças que a élite do ministério determinava.
E todas as outras organizações do regime, representativas de interesses específicos, seguiam-lhe o exemplo. A Mocidade Portuguesa organizava desfiles, acampamentos e provas desportivas; o Movimento Nacional Feminino fazia peditórios, despedia-se das tropas em embarque para a guerra e programava «chás»; a Legião Portuguesa juntava funcionários e trabalhadores sem armas em acampamentos e almoços, precedidos por desalinhada ordem unida de fardas bolorentas, bem regados e onde se entrecortavam discursos vazios mas empolgantes com fado à desgarrada acompanhado à concertina.
Marcelo Caetano evoluiu com ou por causa dos tempos mas não mudou nada de substancial. E serviu-se da televisão procurando no povo os apoios que lhe escasseavam na élite que administrava os interesses dominantes: políticos, militares, no mundo da ciência, nos grupos económicos e empresariais.
Acordou tarde e teve o fim por demais conhecido!
Sócrates não está muito longe deste filme.
Até estará mais adiantado. Pelo menos já usa a televisão, ostensivamente, e para fins que deveriam ser resolvidos no parlamento e no seu partido.
Já usa, é certo, mas com os resultados do outro: zero!
Quanto ao resto ...
É ele quem manda e quem diz o que manda; ele é o centro da corte; é ele a vedeta deste espectáculo e os dois ou três ministros autorizados servem apenas para lhe preparar a entrada em cena.
O seu partido obedeceu com humildade e retirou-se para a reclusão das sedes vazias.
As tão perigosas famílias socialistas e respectivas obediências, renderam-se, foram à vida e conformaram-se com meia tijela de lentilhas.
Perante este quadro e com uma comunicação social sempre tão prestimosa e tão sensibilizada pela atenção dos seus telefonemas, para quê o partido?
Ainda por cima com o sucesso das campanhas anti-partidos ou anti-partidocracias, espalhadas por esse país fora por governantes, funcionários amigos, empresários esperançados e pela imensa multidão de gente frustrada já cansada de esperar pelo seu momento!
Para quê o partido?
Aqueles porta-vozes da comissão política ou do secretariado, aquelas «coisas» de distritais, secções, núcleos, aquela «ideia» de «o Rato isto o Rato aquilo» ... para quê? Para desviar os olhares da prima bailarina?
Pois se era ele que ouvia os encómios, as palmas e os «muito bem». E era ele o irresistivel dominador!
E Sócrates mirava-se ao espelho e só via coragem, determinação e um perfil de conquistador. Assistia às grandes encenações com ecrã panorâmico e sonhava-se um Napoleão imperial e glorioso cercado de generais que não se poupavam em vassalagem.
E, no entanto, de repente, tudo mudou.
Afinal as tais famílias estão activas e mostram rejeitar misturas com a degradante falta de integridade pessoal e política; nem toda a comunicação social se compra com algumas atenções; a oposição está serena e não entra em histerias; o povo não é sonâmbulo; os comentadores resguardam-se; os generais já não se vêm ...
Será que a guarda pretoriana está limitada à inconsistência de um bacoco José Lello e ao enfático cinismo de um Jorge Coelho que não se sabe bem que interesses representa e defende?
Talvez um partido tivesse dado jeito. E um pouco daquela humildade que é sabedoria e a principal fonte do conhecimento, da preparação para a vida política.
Apesar de menos vistosa ... talvez seja mais eficaz!
Caetano só percebeu quando já não havia tempo.
Sócrates nunca chegará a perceber. Mesmo depois da queda!
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